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15/01/2024
Mercado ilegal de fios e cabos elétricos prejudica consumidores e põe vidas em risco
Em Pernambuco, mais de 425 mil clientes foram impactados com a falta de energia elétrica por causa dos furtos e roubos registrados em 2023
Apesar do incremento de ações da polícia, o mercado ilegal de fios e cabos elétricos permanece em alta no País. E os consumidores são os mais prejudicados com esse tipo de crime. Só em Pernambuco, segundo levantamento da Neoenergia, cerca de 2 mil ocorrências por furto de cabos foram somadas ao longo de 2023. Mais de 425 mil clientes foram impactados no Estado.

Além do prejuízo da falta de energia elétrica e de internet - tão fundamental no cotidiano - esse mercado irregular põe vidas em risco.

"As pessoas estão furtando fios e cabos, normalmente de cobre, para poder vender nos ferros-velhos. Esses materiais viram outros produtos, inclusive fios e cabos de má qualidade, que geram sobrecargas e incêndios. Por isso, estão sendo observados tantos acidentes com choque elétrico nos últimos anos", pontuou o engenheiro eletricista Edson Martinho, diretor-executivo da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel).

A entidade identificou, no País, ao menos 421 registros de incêndio por sobrecarga no primeiro semestre de 2023. Desse total, 35 resultaram em mortes. O número é bem similar ao registrado no mesmo período de 2022. Foram 441 ocorrências, com 33 óbitos. Os casos do segundo semestre ainda serão auditados, mas estima-se que cresceram 36%.

"Há vários fabricantes de má índole fazendo e colocando no mercado fios e cabos com menos cobre, vendendo como se fossem fios originais. Só que quando você tira o cobre, você aumenta o que nós chamamos de resistência. Essa resistência se transforma em calor e aí o incêndio está iniciado", explicou Martinho.

TENTATIVA DE FURTO, EXPLOSÃO E TRANSTORNOS AO CIDADÃO

Pernambuco registrou 12 incêndios por sobrecarga de energia elétrica no primeiro semestre do ano passado. Seis mortes foram contabilizadas, segundo dados da Abracopel.

Em 9 de agosto do ano passado, um incêndio foi registrado em uma uma subestação de energia localizada na BR-232, no bairro do Curado, na Zona Oeste do Recife. Imagens de câmeras de vigilância da Neoenergia identificaram que duas pessoas invadiram o terreno da unidade para tentar furtar os cabos, provocando uma explosão.

Felizmente, não houve registro de feridos. Na ocasião, o Corpo de Bombeiros foi acionado e apagou as chamas. Por algumas horas, o fornecimento de energia foi interrompido, provocando transtornos aos cidadãos.

Em 18 de agosto de 2023, outro caso chamou atenção pela ousadia. Dois homens foram presos após o furto de fios elétricos ligados ao prédio da chefia da Polícia Civil de Pernambuco, na Rua da Aurora, no bairro da Boa Vista, área central do Recife.

Policiais civis que estavam de plantão no prédio foram surpreendidos com a queda de energia elétrica por volta das 4h. Quando abriram a porta, encontraram um dos suspeitos na calçada. Ao lado dele, havia vários fios cortados. O outro suspeito foi encontrado no poste, com mais quatro cabos cortados.

Para conseguir praticar o furto, um dos homens esfregou os fios e cabos no poste até que eles se desgastaram e foram cortados. Por muito pouco, uma tragédia não ocorreu no local.

UMA TONELADA DE FIOS DE COBRE APREENDIDA NO GRANDE RECIFE

A Polícia Civil de Pernambuco reconheceu que houve um crescimento no número de furtos de fios e cabos de cobre, mas garantiu que tem intensificado operações na Região Metropolitana do Recife para combater esse crime.

"Em geral, são pessoas em situação de rua que praticam esses furtos para comprar droga ou para alimentar outros crimes. Mas a situação de rua não é a polícia que resolve. Há pessoas que já foram autuadas cinco vezes, mas acabam sendo liberadas em audiência de custódia pela Justiça. Por isso, nosso foco é no receptador, aquela pessoa que compra os fios de cobre furtados", afirmou a delegada Beatriz Leite, titular da Diretoria Integrada Metropolitana.

Segundo a delegada, três operações, denominadas Tentáculos, foram deflagradas no ano passado - em parceria com a Neonergia e com operações de telefonia e internet - para identificar locais de receptação dos fios e cabos de cobre furtados. Seis pessoas foram presas.

"Houve a apreensão de mais de uma tonelada de fios de cobre no ano passado. Se falarmos de prejuízo, essa quantidade é suficiente para deixar uma cidade como Recife sem internet. É como se ocorresse um blecaute. O maior prejudicado é o consumidor", destacou.

"A gente tem pedido para que as pessoas que virem esses furtos liguem para o número 190. Quando a polícia é chamada, os furtos são evitados. Os custos de serviço também são diminuídos para as operadoras. É preciso reforçar que quem acaba pagando pelo serviço é o usuário", completou.

Operação Tentáculos foi criada para identificar e prender receptadores de cabos e fios - DIVULGAÇÃO/PCPE
PREJUÍZO POR TODO O PAÍS

Durante o primeiro semestre de 2023, foram roubados e furtados 2,89 milhões de metros de cabos de telecomunicações, segundo dados compilados pela Conexis Brasil Digital, entidade que representa as maiores operadoras de telecomunicações do País.

O volume de cabos roubados e furtados no primeiro semestre de 2023 aumentou 23,5% em relação ao primeiro semestre de 2022, quando o número chegou a 2,34 milhões de metros.

"Estamos vendo um movimento de aumento dessas ações criminosas, o que preocupa muito o setor. A conectividade é cada dia mais importante na vida das pessoas e esses crimes não podem mais ser vistos como de menor gravidade", afirmou a diretora de Relações Institucionais e Governamentais e de Comunicação da Conexis Brasil Digital, Daniela Martins.

São Paulo foi o Estado que mais sofreu com essas ações criminosas. No primeiro semestre de 2023, foram furtados ou roubados 664.082 metros. O volume aumentou 21,9% em relação ao segundo semestre de 2022.

O segundo Estado mais afetado foi o Paraná, com 591.054 metros de cabos furtados ou roubados no primeiro semestre de 2023, alta de 13% na comparação com o segundo semestre de 2022. Já a Bahia, terceiro mais afetado, teve 296.130 metros de cabos roubados, alta de 188,5% em relação ao primeiro semestre de 2022.

IRREGULARIDADES IDENTIFICADAS EM 66% DOS FIOS E CABOS

A Qualifio, Associação Brasileira Pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos, realizou a avaliação de 855 fios e cabos disponíveis no mercado entre janeiro e outubro de 2023. Os testes identificaram que 564, ou seja, 66% do total, apresentavam irregularidades e não deveriam estar à disposição para os consumidores.

"Os consumidores precisam estar cientes desse problema para procurarem profissionais habilitados para instalações elétricas e também devem exigir que os técnicos utilizem materiais confiáveis. A quantidade de cobre em fios e cabos deve estar de acordo com as normas para que a resistência elétrica seja suficiente para transmitir energia dentro dos padrões exigidos. A Qualifio tem encontrado números alarmantes de marcas de produtos, fabricadas por empresas devidamente certificadas e credenciadas pelo Inmetro", alertou a entidade, que atua no País há mais de três décadas.

A Qualifio destacou que, sempre que identifica as irregularidades, os fabricantes são denunciados ao Inmetro. Mas pontuou que "os organismos certificadores de produtor não conseguem monitorar o mercado e, somente a cada seis meses, é realizada auditoria de produto nas fábricas".

"A burocracia existente em nosso País torna todo esse processo muito moroso e facilita a vida de fabricantes mal-intencionados", disse a entidade.

A Qualifio está propondo que, nas licitações de órgãos públicos, sejam definidas as normas a serem utilizadas e que os pagamentos só ocorram após a comprovação da qualidade dos produtos. Também pede que as construtoras se conscientizem do risco que estão expondo os futuros moradores quando fazendo a utilização de produtos de má qualidade.

A entidade sem fins lucrativos reforçou ainda que é preciso punir os fabricantes de forma exemplar, impedindo que voltem a fabricar fios e cabos que coloquem os consumidores em risco.

SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES QUER AÇÕES COORDENADAS

O setor de telecomunicações tem defendido uma ação coordenada de segurança pública envolvendo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, tanto o federal quanto os estaduais e municipais, e a aprovação de projetos de lei que aumentem as penas desses crimes.

O PL n° 4997, de 2019, por exemplo, propõe pena de três a oito anos para o crime de furto, com aumento de um terço até metade a pena nos casos de roubo. Estabelece ainda pena de quatro a dez anos e multa para o crime de receptação, na hipótese de os objetos serem fios, cabos ou equipamentos utilizados para o fornecimento ou transmissão de energia elétrica, telefonia ou transferência de dados.

O setor também defende a punição de empresas que compram equipamentos furtados ou roubados, além da mudança da regra que penaliza as operadoras quando o serviço é interrompido em decorrência do crime.
 
Fonte: JC

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